quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Senado aprova Código Florestal pró-agronegócio com 70% dos votos

Nova lei tenta reverter 40 anos de desmate ilegal com regras que induzem reflorestamento, mas sem multar. Cobrança de taxas de até R$ 50 milhões foi combustível de polêmica iniciada em 2008. Para ambientalistas, motosserra venceu. 'Acabamos com ditadura ambientalista', diz senadora-ruralista. Para governo e aliados à esquerda, novo Código estimula plantio de árvores.
André Barrocal
BRASÍLIA – Depois de seis meses de polêmicas, o Senado aprovou nesta terça-feira (6), em uma longa sessão encerrada às 23h, um novo Código Florestal. O texto tem regras que ambientalistas condenam, ruralistas apoiam e a maioria dos senadores considera o consenso possível na tentativa de conciliar interesses econômicos e ambientais – o combustível da discussão foi a pressão dos primeiros, que estariam expostos a multas se a lei não fosse alterada.

O projeto, que propõe soluções para reverter ou aliviar mais de 40 anos de desmatamento ilegal e impedir a repetição no futuro, foi aprovado por 58 votos a 8 – o placar eletrônico registrou 59 a 7, mas um senador, João Capiberibe (PSB-AP), que acaba de voltar à Casa, disse que está desacostumado com o sistema digital de votação e se enganou com os botões. O voto "sim" representou 72% do Senado (81 parlamentares, no total).

O texto terá de ser votado uma última vez pelos deputados, antes de ir à sanção da presidenta Dilma Rousseff. Ela quer assiná-lo o quanto antes, para que o gesto fique o mais longe possível da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável que o Brasil sediará em junho ou julho de 2012, a Rio+20.

O governo teme que o novo Código, que os ambientalistas dizem que é uma derrota da natureza na luta contra o agronegócio, arranhe a imagem brasileira justamente numa área em que o país acredita ser – e quer continuar assim – um líder mundial.

O Código Florestal atual, editado pela ditadura militar em 1965, impôs normas de preservação ambiental cujo descumprimento não podia ser coibido na prática pois não havia um decreto fixando as punições. Um decreto só foi assinado em junho de 2008, estipulando que, a partir de dezembro daquele ano, seriam aplicadas multas de até R$ 50 milhões contra desmatadores.

Foi a senha para a bancada ruralista se mexer no Congresso, a fim de escapar das multas. E para forçar o governo a cancelar o decreto - o que já foi feito quatro vezes - até que saia uma nova lei.

Refis do desmatamento
Pelo novo Código, não serão cobradas multas do produtor rural que aceitar se enquadrar numa espécie de "refis do desmatamento". Ele entrará em um Cadastro Ambiental Rural, identificando-se, comprovando a posse da propriedade e expondo-se à vigilância do Estado. E concorda em replantar o que devastou além dos limites.

Para o governo, que foi arrastado ao debate pelos aliados ruralistas – a começar pelo PMDB, do vice-presidente da República, Michel Temer, partido que controla o ministério da Agricultura desde 2007 -, o compromisso de replantio deveria ser comemorado.

“Teremos que plantar muito nesse país”, dizia na véspera da votação a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao divulgar que o desmatamento da Amazônia é o menor em 23 anos.

A possibilidade de recuperar áreas devastadas ilegalmente foi um dos aspectos mais enfatizados por senadores governistas que, pelas circunstâncias políticas, viram-se do mesmo lado dos ruralistas e talvez preferissem não estar. Caso de um dos relatores do projeto, Jorge Viana, do PT do Acre, e do presidente da Comissão de Meio Ambiente, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que pertencem a partidos mais progressistas.

“O Código atual não traz uma árvore de volta e não alimenta uma família”, disse Viana. “Os mecanismos de hoje não foram capazes de evitar o desmatamento e não trouxeram árvores de volta”, afirmou Rollemberg.

A nova lei, extensa, com mais de 80 artigos, traz ainda outros dispositivos que os governistas destacaram na esperança de relativizar a impressão de que estavam movidos por ruralistas e rendidos a eles.

É o caso, por exemplo, da autorização dada ao governo federal para criar um programa de incentivo à conservação ambiental – incentivos que vão desde o pagamento puro e simples a quem mantiver florestas em pé, até a concessão de empréstimos com juros menores e isenção de impostos para insumos.

Ou da imposição, às prefeituras, de que exijam ao menos 20 hectares por habitante (mais do que recomendam as Nações Unidos) em cada empreendimento imbiliário novo que seja construído depois da aprovação da lei.

Ou ainda da regra de “desmatamento zero” na Amazônia nos próximos dez anos, incluída no texto na última hora, por sugestão do presidente do PMDB, senador Valdir Raupp, cujo estado, Rondônia, dobrou o desmatamento no ano passado, o pior desempenho de todos os amazônicos.

Ambientalistas x ruralistas

Apesar de dispositivos como estes, para os ambientalistas, não há como não encarar o novo Código como um retrocesso em relação à situação atual. Não haverá parques novos, mais unidades de conservação, ampliação da área das propriedades rurais que precisam preservar a vegetação nativa. É por isso que, durante o dia, militantes do Greenpeace estiveram em Brasília com faixas a dizer “Senado, desliga essa motosserra.”

“O crime ambiental se institucionaliza com esta nova lei”, disse a senadora Marinor Brito (PSOL), que pertence ao estado que hoje mais desmata a Amazônia, o Pará, e foi um dos oito votos “não” ao projeto.

A reforçar a impressão de Marinor, a senadora-ruralista Katia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), festejava antes da votação: “Acabamos com a ditadura dos ambientalistas nesse país”.

A CNA também mobilizou seus militantes para ir a Brasília acompanhar e defender a votação. Usando camiseta com a inscrição “um voto pelo Brasil”, eles assistiam à sessão do Senado pela TV em uma tenda montada pela CNA em frente ao Congresso.

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