quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Fórum Social: O que João Pedro Stedile disse a Dilma em Porto Alegre

Durante o encontro de Dilma Rousseff com representantes do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) questionou a presidenta sobre a agenda ambiental do governo, em especial sobre o Código Florestal, a agricultura familiar, a agroecologia e a Amazônia. "Para nós não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem redução da desigualdade social", reafirmou Dilma.
Verena Glass - Repórter Brasil
Transcrição da fala de João Pedro Stedile, do MST, na reunião entre Dilma e representantes da sociedade civil, realizada em 26 de janeiro de 2012, durante o Fórum Social Temático em Porto Alegre:

“Quero começar, em nome dos movimentos sociais do campo, a cumprimentar a nossa presidenta por ter escolhido Porto Alegre e não Davos. A senhora parece ser realmente corajosa. Mas a minha obrigação aqui, em nome dos movimentos sociais do campo – sem querer representar a todos –, é trazer algumas idéias nesse espírito do diálogo aberto e franco.

Prometo não falar de reforma agrária, porque ela está paralisada, apesar de termos ainda 180 mil famílias acampadas nas beiras das estradas que precisam pelo menos de uma solução humanitária. Mas como o tema aqui é Rio + 20, nós analisamos no MST, com tudo que aprendemos na tradição de luta socialista e cristã, que a melhor pregação é o exemplo. Que o Brasil só pode liderar um processo internacional de defesa do nosso planeta, da nossa biodiversidade, se nós dermos o exemplo.

Nós temos uma agenda nacional que precisa ser resolvida. A primeira delas é que não podemos admitir as mudanças que foram acordadas no Senado para o Código Florestal. Vamos descobrir seu correio eletrônico para que o povo brasileiro lhe escreva para pedir o veto de alguns artigos que a senhora mesmo se comprometeu [a vetar] durante a campanha, e que nós não podemos aceitas.

Nós não podemos aceitar a anistia dos crimes ambientais dos latifundiários, assim como não aceitamos a redução da reserva legal, mesmo nos quatro módulos. Porque isso abre brecha para o capital internacional seguir desmatando o Cerrado e a Amazônia. A nossa política – esperamos que a senhora concorde – é do desmatamento zero. Não há necessidade de derrubarmos mais nenhuma árvore para seguirmos aumentando a produção de alimentos, inclusive em condições muito melhores.

A segunda agenda: nós precisamos fazer um grande programa nacional de reflorestamento para a agricultura familiar, controlado pelas mulheres – já que as mulheres agora mandam nesse país -, um programa para que cada agricultor familiar possa reflorestar dois hectares. Isso é uma merreca. O BNDES dá tanto dinheiro para multinacional, chegou até a financiar a America Online, massa falida… Por que não pode dar dinheiro para a agricultura familiar reflorestar o nosso país, que é uma contribuição para a humanidade?

Terceira agenda: nós precisamos com urgência um programa nacional que estimule a agroecologia. Um programa de políticas públicas que recupere uma agricultura sadia, que plante alimentos sem veneno. Quanto mais agrotóxico colocarmos nos alimentos, maior a incidência de câncer. É uma obrigação nossa produzir alimentos sadios, e para isso as técnicas da agroecologia são as mais recomendadas. Mas o governo está ausente, e é preciso ter políticas públicas que compensem e estimulem [estas práticas].

Quarta agenda: o Ministério da Integração Nacional anunciou que vai irrigar 200 mil hectares do Nordeste. Ótima noticia. Mas aí vai para lá a Cutrale, empresários do Sul, isso é uma vergonha, presidenta. Nós apelamos, em nome dos nordestinos, nós precisamos distribuir esses 200 mil ha para fazer assentamentos. Dois hectares por família, a senhora vai assentar 100 mil agricultores do Nordeste, que vão ficar juntinhos da água, e resolve três problemas: do alimento, da água e do emprego. Não precisa levar empresários do Sul. Senão vamos ocupar as terras deles.

Quinta agenda: nós não podemos nos conformar que governos do exterior deram 700 milhões para o Fundo Amazônia, e o dinheiro está lá parado no BNDES, e pela burocracia do banco só 10% do dinheiro foi aplicado. E ainda assim, dos 23 projetos, a maioria é de governos da Amazônia, de Rondônia, do Amapá. Ora, a vocação deste dinheiro é para recuperar a Amazônia, são projetos sociais, não é para governo. Governo tem outros mecanismos.

Por último, nós não podemos fazer uma conferência de meio ambiente e os nossos irmãos guarani-kaiowa continuam morrendo. Isso é uma dívida de honra. Nós não podemos aceitar que o agronegócio continue matando os povos indígenas que são os verdadeiros zeladores da nossa biodiversidade e do território. Então se a senhora só resolver os problemas dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul já vai para o céu. Agora, se não resolver isso, não adianta falar em biodiversidade, assinar documento. E a mesma coisa com as comunidades quilombolas. Faz dois anos que o Incra não legaliza nenhuma área quilombola. É a maior dívida social que nós temos, o país foi construído com trabalho escravo, e agora não consegue reconhecer uma área? Nós temos que recuperar a legalização das terras quilombolas.”

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