*Por Raimundo Moura
Retomo o debate sobre a divisão do Estado do Pará para contribuir do ponto de vista histórico e político com essa discussão tão importante para os povos dessa região.
Nesse sentido faço algumas provocações para o debate: que concepção de modelo de desenvolvimento “os separatistas” estão defendendo para a região? Pretendem dividir para continuar o mesmo modelo de dependência econômica do capital especulativo? Os poderes constituídos no modelo atual (executivo, legislativo e judiciário) estão atendendo as expectativas do povo? Ou às expectativas individuais de pequenos grupos que esbanjam as mordomias no congresso, no planalto, nas assembléias legislativas e nas câmaras de vereadores?
Precisamos entender que a história da nossa região sempre foi uma história de dependência econômica, política, social e cultural. Essa dependência não tem nada a ver com a questão geográfica ou territorial, mas com uma questão econômica e política que é histórica. As condições gerais do povo são resultantes do modelo expropriador, concentrador e corrupto que se instalou na região, onde uma minoria lucra em cima de uma grande maioria.
A crise que a região vive da falta de políticas públicas para a maioria do povo não é uma crise geográfica, mas política e de gestão administrativa, por isso não será superada com a divisão do Estado, pois os mesmos que querem dividir hoje, também ajudaram a administrar mal o Estado do Pará ao longo desses anos, portanto não tem moral político e nem competência administrativa para administrar o novo Estado caso o plebiscito seja favorável a divisão.
As elites daqui sempre exploraram os recursos naturais e os povos humildes dessa região com o consentimento e o apoio das elites de Belém. Se hoje querem dividir o Estado do Pará é por puro interesse de crescer o seu exercito no congresso e no senado (crescer a bancada dos empresários e latifundiários) para continuar degradando social e ambientalmente a região, sobretudo porque desde a década de 1980, a luta dos povos indígenas, das comunidades camponesas, dos trabalhadores da cidade e das organizações ambientais, vem se renovando e ocupando espaço e lugar no campo dos direitos humanos e da política.
Não vamos nos deixar seduzir pelo “canto da sereia”! Esse discurso do “sim” é ultraconservador e reacionário, não tem fundamentação histórica e já foi colocado em prática na região com a implantação dos grandes projetos e das várias cidades criadas no final da década de 1980, e o povo amarga o resultado hoje: muitas cidades são na verdade bolsões de miséria e exploração, periferias da periferia do Estado. Não é verdade que só a região metropolitana é beneficiada com o recurso do Pará, se assim fosse, Belém e Anananideua não estariam entre as 10 piores cidades em Saneamento Básico.
Outro exemplo que não podemos deixar de lembrar é Parauapebas. O município desde quando foi emancipado em 1988, passou a contar com todas as condições políticas e econômicas para ser modelo para o Estado em termo de serviço público, no entanto, padece com a incompetência administrativa e a corrupção de seus governos e vereadores. Só para ter uma idéia, mais de 80% da população não é atendida com saneamento básico.
Se o Estado for dividido nesse mesmo modelo de política governamental, um modelo viciado na corrupção, no paternalismo e na violência, terá continuidade à concentração das terras nas mãos de poucos, surgindo novos latifúndios e muitos pequenos agricultores serão expulsos de suas terras como já vem acontecendo hoje. Vale ressaltar que agora não são mais somente os fazendeiros que expulsam, mas também as empresas multinacionais, a exemplo da Mineradora Vale que remanejará centenas de famílias de suas terras com a ampliação da ferrovia.
Se os recursos públicos usados nos financiamentos passados não geraram o desenvolvimento regional sustentável, nem melhoraram a vida do povo é porque foram desviados ao longo desse tempo, e quem estava à frente da gestão desses recursos são os mesmos que querem dividir o Pará.
Enquanto isso, o acirramento da miséria, da violência e do desemprego assola a vida do povo do Sul e Sudeste do Pará que estão sendo mais uma vez iludidos pela esperança de dias melhores. A divisão no modelo adotado será mais uma colonização oficializada da região pelas elites regionais, as quais somarão força com a elite nacional para continuar explorando de forma insustentável a Amazônia em beneficio do super enriquecimento de um pequeno grupo do agronegócio, representado hoje pelos senhores Giovani Queiroz (região Carajás) e Lira Maia (região Tapajós), raposas velhas na política do Estado.
Nós da Amazônia amadurecemos no sofrimento e na luta. Aqui no Estado do Pará, especialmente nessa região, para enfrentar com vida a luta, nos organizamos coletivamente e estudamos para não continuar sendo enganados pelo discurso do “progresso e do desenvolvimento”, propagado por uma elite que sempre dominou a região, por isso, ver na divisão, a possibilidade de continuar dominando e defendendo os seus interesses de classe (empresarial e latifundiária).
Não podemos arcar com mais um ônus na história política da nossa região, a exemplo do que aconteceu no passado quando as empresas anarquizaram a região com “os grandes projetos esperançosos” para a Amazônia, os quais foram responsáveis pela a enorme degradação social e ambiental que a região sofreu nesses últimos 30 anos.
A política que o momento requer não é puramente uma divisão territorial, como propõe os “separatistas”, mas da moralização da política brasileira para fazer com que os recursos públicos sejam de fato investidos em educação, saúde, habitação, saneamento básico e estradas. Ou será que um novo Estado evitará os desvios exorbitantes que acontecem nos processos licitatórios dos orçamentos públicos tanto a nível local como nacional?
Cabe a nós, paraenses de Carajás, criar uma nova alternativa para essa região da Amazônia que não se esgota na divisão do Estado, mas pelo contrário, trata-se de um serviço de respeito ao desenvolvimento real e sustentável em favor da população, pessoas humildes que vieram para cá ou que aqui nasceram nos últimos 100 anos e que vem na labuta do dia a dia, construindo a história da região, conquistando o reconhecimento de seus direitos através de suas lutas organizadas.
Como diz sempre o meu amigo Raimundinho do Cepasp: “não é verdade que o Estado não está presente na região. Ele nunca esteve tão presente quanto agora, mas a serviço de uma classe social - empresários e latifundiários”.
Defender a divisão do Estado sem entender a história de desenvolvimento da região de Carajás é retroceder na história amazônica e deixar de verificar os seus antecedentes. Por isso tomei a liberdade do conhecimento para contribuir melhor com este debate e esclarecer a população que a divisão do Estado não é a melhor alternativa sustentável para região.
As condições de interesses que estão em jogo nessa disputa pelo poder na Amazônia são irreconciliáveis, ou seja, essas situações concretas de confronto estão na base do processo de luta nas fronteiras da Amazônia, trata-se da disputa de classe.
Portanto, o momento é de unir o povo do Pará no combate à marginalização e da distribuição desigual dos recursos e das riquezas, melhorando a qualidade das relações humanas, satisfazendo as necessidades básicas da população e respeitando a diversidade cultural, propiciando assim a autoconfiança e a capacidade de autogestão das comunidades locais e regionais. Para fazer isso não precisa o Estado ser dividido!
* Pedagogo e Pós Graduando da Especialização em Educação Ambiental, Cidadania e Desenvolvimento Regional pela UFPA/NEAm, educador da rede municipal e estadual de educação no município de Parauapebas/PA.
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