Nos últimos meses a atenção da sociedade paraense está concentrada em grande parte no debate do separatismo. Isto é natural na medida em que o plebiscito do dia 11 de dezembro se consolidará como o mais importante fato histórico no estado desde a adesão a independência do Brasil em 15 de agosto de 1823.
Ao contrário do que muitos livros textos de história divulgam a nossa adesão ao Império Brasileiro não foi pacífica. Aderimos sob ameaça militar e de bloqueio comercial e a Revolta do Brigue Palhaço – quando 256 pessoas contrárias a adesão foram confinadas no porão do navio São José Diligente e morreram asfixiadas com cal – demonstrou a brutalidade do processo. Neste momento, deixamos de ser colônia de Portugal e passamos a ser colônia do Império Brasileiro.
Passados quase dois séculos do fato a nossa condição de região internamente colonizada permanece inalterada. Indiscutivelmente há uma relação colonial da República Federativa Brasileira para com a Amazônia e o estado do Pará que perpassa fundamentalmente pelo modelo de federalismo fiscal praticado.
Em que pese termos uma economia que demonstra através de alguns indicadores um relativo dinamismo econômico, derivado em grande parte do setor agropecuário e extrativo mineral, este dinamismo não está conseguindo efetivamente transbordar as suas benesses para o cidadão paraense comum. Números significativos em termos de investimentos no estado são freqüentemente divulgados, porém continuamos tendo lastimáveis indicadores sociais no que tange a mortes no campo, tráfico de seres humanos, educação e saúde, sem falar que 1,5 milhões de paraenses, de nascimento ou opção, vivem abaixo da linha de pobreza e 600 mil pessoas no estado sobrevivem graças ao programa de transferência de renda do Governo Federal, Bolsa Família.
Grande parte de nossos problemas decorrem do modelo de desenvolvimento adotado, da ineficiência em termos de gestão pública e da baixa capacidade que o setor público estadual tem para intervir concretamente, derivado, este, em grande parte, de uma capacidade orçamentária e financeira limitada e muito aquém das reais necessidades em termos de investimentos e ações de políticas públicas. Neste contexto, contribui decisivamente o modelo de federalismo fiscal tendo como principal algoz a Lei Kandir e a cobrança do ICMS somente no local de consumo da energia elétrica, deixando aqui no estado do Pará os ônus em termos de mitigação dos impactos sociais e ambientais dos grandes projetos minerais e hidrelétricos sem uma coerente contrapartida em termos de recolhimento de tributos aos cofres públicos do estado.
É em função disto que a discussão da Reforma Tributária, em andamento na Câmara Federal, é questão que precisa ser enfrentada de forma prioritária pela sociedade paraense. Causa-me preocupação o fato do tema não estar sendo debatido e nem enfrentado pela nossa sociedade da forma como deveria. Assim, este pequeno artigo tem por finalidade pontuar os aspectos centrais que precisam ser enfrentados neste debate.
Não há dúvida de que a Reforma Tributária precisa ser tratada num contexto de necessidade de redução de nossa carga tributária, de inversão do atual modelo de tributação, altamente regressivo, e da necessidade de se aumentar a competitividade do setor empresarial nacional frente ao acirramento da competição nos mercados globais. É por isto que algumas questões precisam ser necessariamente debatidas em paralelo, porque afetam diretamente o tema, como, por exemplo, a necessidade de aumentarmos a eficiência e a eficácia da gestão pública e a necessidade de acelerarmos a nossa taxa anual de crescimento econômico. Neste contexto, melhorando a eficiência e a eficácia dos gastos públicos ao lado de maiores taxas de crescimento, que permitirá como conseqüência direta o aumento da arrecadação, haverá espaço para a discussão da diminuição da carga tributária no contexto da reforma proposta.
Ou seja, de um lado a redução da carga tributária perpassa fundamentalmente por um Estado mais eficiente. De outro, a sustentação de um elevado nível de carga tributária gera incentivos à informalidade e a evasão fiscal. Entretanto, o cerne do debate a ser encarado pela sociedade paraense refere-se à mudança do atual modelo de federalismo fiscal, e é justamente neste ponto que emergem as maiores preocupações na forma como o processo de discussão da reforma vem sendo conduzido.
Da forma da forma como a proposta de Reforma Tributária vem sendo conduzida ela tem tudo para manter o atual status quo da estrutura de poder política, econômica e regional do Brasil. Indo mais além, ela é um perigo para a Amazônia e o estado do Pará – podendo agudizar o desequilíbrio federativo brasileiro e condenar à periferia brasileira a perpetuação do seu modelo de desenvolvimento predatório e desigual. Neste sentido, uma reforma ampla é fundamental para colocar o país e as regiões periféricas em uma trajetória de desenvolvimento sustentável, mas para isto precisamos: vencer o eterno problema do conflito federativo entre as três esferas de poder da federação brasileira; acabar definitivamente com a guerra fiscal; romper com a “ilógica lógica” de cobrança do ICMS de energia elétrica no destino; e, acima de tudo, acabar com a famigerada Lei Kandir, que privou os cofres públicos paraenses de 21,5 bilhões de reais de 1997 até 2010, conforme estudo elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado do Pará, e que poderiam ter sido canalizados para a sociedade paraense na forma de políticas e ações públicas.
Indo mais a fundo, cinco pontos se consolidam como a verdadeira armadilha da Lei Kandir: (i) Impede a formação de cadeias produtivas regionais verticalmente integradas, com empregos qualificados e a internalização da riqueza e da renda gerada; (ii) Reforça a fuga de empresas nacionais para o exterior; (iii) Enfraquece o poder político dos estados e do País; (iv) Abala a unidade econômica e federativa do país; e, (v) Reduz as perspectivas de crescimento econômico do estado e do País.
O fato é que a Lei Kandir manda explicitamente um sinal para o setor privado que é um contra senso para o desenvolvimento de regiões periféricas, afirmando que a maior lucratividade está na exportação de bens primários com baixa agregação de valor na medida em que a verticalização da produção implica no pagamento de impostos mais elevados.
Os defensores da Lei Kandir e alguns ingênuos dizem que não podemos pensar em tributar a nossa exportação de minérios na medida em que não se tributa exportação. É aqui que mora o perigo, a perspicácia de alguns e a ingenuidade de outros. De fato, não se exporta imposto no setor industrial, porém esta lógica não é verdadeira para bens primários e semi-elaborados. Assim, a não tributação das exportações de bens primários significa que estamos exportando muito mais do que matérias-primas, junto com os nossos minérios e produtos extrativos florestais estamos exportando empregos, e isto poucos se dão conta.
Ademais, a Reforma Tributária permite colocar na agenda de discussão uma temática fundamental para as regiões periféricas brasileiras, a efetiva institucionalização do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que se encontra emperrado no Congresso Nacional por não ser de interesse prioritário das bancadas do centro-sul da federação. Toda a argumentação de um federalismo cooperativo cai por terra ante a inexistência de um fundo que permita com que ações de políticas públicas possam concretamente serem implementadas em regiões periféricas.
Indo mais além, encaro com muita preocupação a estratégia anunciada de se levar a frente à Reforma Tributária de forma fatiada. Assim, na medida em que não há consenso em determinados temas considerados polêmicos, aspectos considerados pouco polêmicos e de interesse direto do Governo Federal deverão ser priorizados e assuntos polêmicos como a Lei Kandir e a cobrança do ICMS da energia elétrica no estado de consumo muito provavelmente não entrarão na pauta. Isto significa que corremos o risco como sociedade paraense de não aproveitarmos esta “janela de oportunidade” aberta, não revertendo a Lei Kandir e a questão do ICMS de energia. Assim, se não houver maior interesse, envolvimento e unidade, a Reforma Tributária pode se consolidar como um verdadeiro engodo para a sociedade paraense.
É neste contexto que precisamos, com exceções, rever o quadro de desinteresse e apatia no tocante a este assunto que ronda o setor político, o setor empresarial, os movimentos sociais e muitas de nossas entidades de classe. Precisamos, portanto, fazer com que este debate “ganhe as ruas” de modo que possamos chamar a atenção de nossa sociedade para a “janela de oportunidade” que se encontra aberta.
É em função disto que muitas vezes chamo a atenção de que estamos perdendo a atenção do que é fundamental, como a mudança de nosso modelo atual de desenvolvimento, a Reforma Política e a Reforma Tributária, envolto no debate do separatismo. A solução para o desenvolvimento do estado do Pará e para as regiões que pretendem se emancipar está na melhoria do provimento de serviços públicos e isto somente pode acontecer revendo o atual pacto federativo fiscal que vem lesando a sociedade paraense. Neste sentido, a construção de um efetivo projeto de desenvolvimento para o estado do Pará perpassa fundamentalmente pela revisão deste pacto federativo, pelo aumento da capacidade orçamentária e financeira do estado e dos municípios, pela reversão da Lei Kandir e da “ilógica lógica" de cobrança no ICMS no local de consumo, ao lado do aumento da capacidade que o estado tem de gerir e promover políticas públicas territorializadas, articuladas e pactuadas.
Eduardo José da Costa - Presidente do CORECON (Cons. Regional de Economia do Pará)
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